segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

4. Intercorrências da Comunicação - II

Já no Verão eu tinha experimentado uma sensação estranhamente acre ao tentar partilhar com a Rute uma deceção enorme que me havia acontecido em contexto familiar, na linha ascendente. Como de costume havia uns anos, estávamos a gozar, no mesmo aldeamento, os quinze dias de férias familiares com praia e piscina, no sul do país. A Rute conhecia a minha família e sempre fora, para mim, uma confidente com quem eu partilhava as maiores alegrias e as maiores tristezas. Dessa vez, era um sabor demasiado amargo o que vivia em mim desde finais do ano anterior, mas eu não encontrara ainda tempo nem espaço para o divulgar fora das portas do meu núcleo, onde ele pudesse ser debatido e a minha mágoa aliviada. E o que é certo é que os quinze dias não foram suficientes para que eu me aliviasse dum peso que estava a fazer-me olhar para o mundo com olhos que nunca haviam sido os meus - os olhos da descrença, da desconfiança.
Sentia-me traída por um membro da família que me era muito próximo. E essa "traição", do tamanho da minha vida inteira, estava a afastar-me ainda mais de pessoas a quem eu já antes retirara o meu selo de amizade incondicional. Naquele momento, já nenhuma relação era, para mim, incondicional. Com uma já eu tinha acabado e que mal me sentia por isso, mas voltar ao que ela antes fora era para mim impensável. E a Rute ainda não sabia de nada, nem do meu sofrimento nem da mudança na minha visão do mundo, que se seguiu à revelação e se afirmava cada vez mais segura à medida que o tempo ia passando. O mundo inteiro desabou no dia em que eu soube de uma vez só aquilo que devia ter ido sabendo ao longo de muitos anos, como prova de verdade na relação, na amizade. E, com o mundo, desabou também o débil conceito de família que eu tinha, se alguma vez o tivera. Curiosamente, depois de conseguir revelar à Rute apenas o teor do meu tormento, a própria Rute passou a parecer-me um ser inacessível, que nunca mais arranjava tempo para debatermos o assunto que eu apenas lhe havia soprado. Apesar dos meus sucessivos sinais para que ela conseguisse um momento para conversar comigo, a partir daí surgiram sempre obstáculos, de tipo variado, à minha vontade de lhe revelar tudo e de colher a sua opinião. Estranhei a recorrente falta de disponibilidade da minha amiga, até que comecei a acreditar que já não havia hipótese, pois surgiram indícios de que era ela que não tinha vontade de abordar o assunto ou então não lhe apetecia conversar comigo. Fixei-me na primeira hipótese, também baseada em indícios de que ela não iria concordar comigo e, por isso, se andava a esquivar de me ouvir. Até alguns telefonemas que lhe consegui fazer foram abruptamente interrompidos por causa da chegada de alguém ou de telefonemas de outras pessoas. E nunca a nossa conversa era retomada.
A minha autoestima, que nunca estivera em alta, baixava agora consideravelmente, pois, a par da indignação que sentira por ter sido enganada (por omissão de factos relevantes para a construção da imagem que eu tinha da pessoa em causa), eu via-me agora como alguém que não havia sido considerado merecedor do conhecimento daquilo que me fora ocultado. E com a Rute estava a passar-se algo do género, pois, se ela tivesse por mim a consideração que eu imaginava, não lhe havia de ser difícil encontrar uma maneira de conversarmos sem sermos interrompidas. E se ela nem a sms respondia... Foi crescendo em mim uma incapacidade para voltar a tentar o que já podia aborrecer e nem me atrevi a tentar a Teresa, com quem já tinha acontecido o desaguisado a respeito dos emails, e tendo eu dela a ideia de que era pessoa de poucas palavras e nenhuns desenvolvimentos.

2 comentários:

Pedro disse...

Então nesta novela onde é que estão as coisas boas? Sim, porque não hão de ser só tristezas!

2 beijos

Guida Palhota disse...

É uma questão de continuares a ler, Pedro... ;-)

kisses